Pílulas da Academia III: História dos Modelos Fatoriais
Teoria e Prática na Precificação de Ativos
“Teoria é quando você conhece tudo e nada funciona. Prática é quando tudo funciona, mas ninguém sabe por quê. Em nosso laboratório, teoria e prática são combinadas: Nada funciona e ninguém sabe por quê.” – Autor Desconhecido
Na Carta de outubro de 2022, discutimos o “factor zoo” – termo cunhado pelo professor John Cochrane para se referir ao grande número de supostos fatores de risco identificados nos melhores journals do mundo. Nessa edição, revisitamos o tema sob uma nova perspectiva. Estaremos interessados em investigar a evolução dessa literatura ao longo do tempo e destacar as pessoas e artigos que foram fundamentais nesse processo.
A Origem do CAPM: O Modelo de Sharpe (1964)
Sem dúvida, o artigo seminal dessa literatura é o de Sharpe (1964). Nele, o autor apresenta um modelo (Capital Asset Pricing Model) no qual o retorno esperado de um ativo é uma função da taxa livre de risco e do seu risco sistemático (não diversificável).
Nesse sentido, ativos mais sensíveis a variações no nível da atividade econômica e dos mercados, por uma questão de equilíbrio, devem ter retornos esperados superiores para compensar o risco extra.
Como o próprio autor aponta, por mais que as implicações do modelo sejam familiares, a estrutura lógica desenhada é a primeira a estabelecer formalmente elementos muito importantes para a teoria financeira.
Desafios Iniciais: Rejeições e Reconhecimento Tardio
Deixando o aspecto conceitual dessa contribuição por algumas linhas, encontramos alguns acontecimentos históricos curiosos em relação a esta contribuição científica. Primeiramente, um professor de sua faculdade recomendou que Sharpe mudasse o tema de sua tese de doutorado, que seria a base para seu artigo de 1964. No entanto, Harry Markowitz, considerado por muitos como o pai das finanças modernas, interveio e incentivou Sharpe a prosseguir.
Ademais, o artigo foi submetido ao Journal of Finance em 1962 e foi rejeitado, sendo re-submetido e publicado apenas em 1964. Portanto, o que é conhecido por muitos como a primeira versão do CAPM, quase foi impedido de ver a luz do dia em duas oportunidades diferentes.
Contribuições Paralelas: Jack Treynor e o Desenvolvimento Independente do CAPM
Enquanto Sharpe (1964) é apontado como “a primeira versão do CAPM”, como mencionado no parágrafo anterior, também existem discussões sobre o crédito do desenvolvimento do modelo.
Embora os artigos de Lintner (1965) e Mossin (1966) sejam frequentemente associados ao CAPM, a história por muito tempo não deu os créditos devidos à contribuição de Jack Treynor, que, após uma análise, pode ser considerado o primeiro a apresentar a teoria do CAPM ao mundo.
O Paralelismo de Jack Treynor: Uma Perspectiva Pré-CAPM
Como discorrido por French (2003), em 1958, Jack Treynor escreveu 40 páginas sobre precificação de ativos e orçamento de capital durante três semanas de férias. Após dois anos de refinamentos, ele entregou um manuscrito ao professor Lintner, então professor de Harvard. Em mais uma fase de revisões, em 1961, o artigo entitulado “Market Value, Time, and Risk” alcançou as mãos de Merton Miller, que o compartilhou com Frank Modigliani. Com este convite, Treynor apresentou seu trabalho em duas conferências, uma em 1962 e outra em 1963, para estudantes e professores do MIT.
A Dualidade da Contribuição: Reconhecimento Tardio de Treynor
Assim, antes mesmo da publicação de Sharpe (1964), o artigo de Treynor já estava sendo circulado em alguns meios acadêmicos. Na verdade, o próprio Sharpe reconhece, no artigo de 64, que Jack Treynor desenvolveu um modelo semelhante de forma independente e paralela.
No entanto, o fato do trabalho de Treynor não ter sido publicado, provavelmente limitou seu reconhecimento na comunidade acadêmica. Embora o fato de Treynor ter pesquisado e desenvolvido uma teoria semelhante não reduza os méritos de Sharpe, isso implica que Treynor também deveria receber um reconhecimento similar.
Expansão do Modelo: O Modelo de Três Fatores de Fama & French
Após essa discussão histórica sobre o CAPM, voltamos nossa atenção ao aspecto conceitual da literatura de modelos fatoriais. Seguindo a linha do CAPM de Sharpe, Lintner, Mossin e Treynor, temos o modelo de três fatores de Fama & French (1993), que amplia o CAPM com os fatores valor – comprar empresas baratas e vender aquelas caras – e tamanho – comprar empresas com baixa capitalização de mercado e vender aquelas com alta capitalização.
A Evolução do Modelo: Dos Cinco para os Três Fatores
O interessante sobre esse modelo de três fatores é que, originalmente, eram cinco fatores: os três destacados acima mais dois relacionados ao mercado de crédito (term e default premium). Em defesa à nomenclatura, é verdade que os autores indicam que mercado, valor e tamanho fazem um bom trabalho em explicar os retornos das ações.
De qualquer forma, não deixa de ser interessante notar a diferença entre o que foi proposto e o que de fato foi adotado pelos participantes da indústria e da academia.
Expansão do Modelo: O Modelo de Quatro Fatores de Carhart (1997)
Quatro anos após o estudo de 1993 de Fama & French, Carhart (1997) expandiu o modelo adicionando o fator momento. Este considera a tendência de ativos com um maior retorno passado de terem um maior retorno futuro, em comparação aos pares com menor retorno passado. Curiosamente, Carhart cita a sua dissertação de doutorado de 1995 para se referir ao seu modelo de 4 fatores.
Todavia, dado que a tese de 1995 não foi publicada, o artigo de 1997 é reconhecido como a primeira obra a explorar um modelo com o fator momento.
A Incorporação da Tendência: O Fator Momento
Para concluir nossa discussão (não compreensiva), apresentamos o q-factor model (Zhang (2020)). Nele, o autor cita a epígrafe presente nesta Carta para fazer uma crítica à literatura de precificação de ativos, afirmando que “Finanças é melhor [que a brincadeira na epígrafe]. A teoria do CAPM pelo consumo [investidores] é bem desenvolvida, mas não funciona. Anomalias funcionam, mas ninguém sabe por que. No CAPM pelo investimento [companhias], teoria e prática são combinadas: tudo funciona e eu sei porque”.
A crítica feita pelo autor (talvez de forma um pouco pretensiosa) é o ponto de partida para seu modelo, que inclui os fatores mercado, tamanho, investimento e lucratividade.
O modelo se baseia na inversão da fórmula de Valor Presente Líquido (VPL) e apresenta uma abordagem simples, mas poderosa. Por ela, se uma firma possui altos investimentos e uma baixa lucratividade, isso implica em baixos custos de capital; por outro lado, empresas com baixos investimentos e alta lucratividade tendem a ter altos custos de capital (por quê?).
De acordo com o autor, esse modelo, mesmo sendo mais parcimonioso, é superior ao modelo de seis fatores de Fama & French.
O q-factor Model: Uma Abordagem Inovadora
Esta exploração da história dos modelos fatoriais revela não apenas a evolução dos conceitos, mas também os desafios e reconhecimentos tardios enfrentados por alguns dos pioneiros. A compreensão da origem desses modelos e sua progressão ao longo do tempo oferece uma visão mais completa e informada sobre a área de precificação de ativos.